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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA LEI 13.874/2019

Foto do escritor: Beatriz BiancatoBeatriz Biancato

A atividade empresarial demanda muitos recursos, em especial recursos financeiros, assim como apresenta riscos, e por essa razão é de extrema importância para o incentivo do desenvolvimento da atividade empreendedora a proteção patrimonial dos bens dos sócios.


Referida proteção se concretiza diante da autonomia patrimonial conferida as empresas e das regras de responsabilidade dos sócios perante as atividades desenvolvidas no empreendimento. Contudo, a própria norma assim como estabelece a proteção patrimonial dispõe ainda, em caráter de exceção, sobre a possibilidade desconstituição dessa proteção que se materializa pela desconsideração da personalidade jurídica.

O Código Civil contempla as disposições básicas com relação as possibilidades de um sócio ter seu patrimônio atingido em decorrência da atuação empresarial, tendo como premissas a configuração de abuso personalidade jurídica, representado pelo o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.


Contudo, em 2019, após a conversão em lei da Medida Provisória nº 881/2019 na Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), o instituto sofreu modificações com a finalidade de sanar algumas divergências entorno da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

O instituto é, portanto, previsto no art. 50 do Código Civil, que embora já apresentava em sua redação a necessidade de configuração dos já citados elementos não contemplava de forma detalhada a definição de cada uma destes, razão pela qual, embora já muito discutido e com alguns posicionamentos adotados, sua aplicação ainda gerava constantes divergências quanto a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica frente a determinado ato realizado pelos sócios na condução das atividades empresariais.

Assim, a Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica) conferiu nova redação ao dispositivo passando a contemplar algumas definições no intuito de sanar divergências até então existentes.

Vejamos o teor da nova redação do art. 50 do Código Civil:


Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Dessa forma, o dispositivo passou a contemplar, além das situações a serem consideradas como desvio de finalidade e confusão patrimonial, outra disposição de extrema importância, consolidando um posicionamento que já vinha sendo adotado pela jurisprudência e defendida pela doutrina, que foi a previsão da desconsideração inversa da personalidade jurídica no § 3º do art. 50 do Código Civil, pela qual a finalidade é evitar que o sócio utilize a pessoa jurídica como forma de ocultar seu patrimônio pessoal.

Além da alteração do dispositivo foi incluído ao Código Civil o art. 49 - A firmando expressamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Nesse sentido, dispõe ainda o art. 1.024 do Código Civil que visando o cumprimento das dívidas da sociedade os bens dos sócios só poderão ser executados após a execução dos bens da sociedade, de forma a também ressaltar a autonomia patrimonial conferida ao se adquirir a personalidade jurídica.

Dessa forma, as alterações providas tiveram o intuito de promover a atividade econômica, bem como garantir que os sócios que não participaram da conduta não tenham seu patrimônio atingido, sendo a desconsideração imputada de forma individual com relação aos sócios e na medida de suas responsabilidades, eis que o dispositivo prevê a desconsideração em relação a administradores ou sócios beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

No entanto, importa observar a disposição contida no art. 20 Lei nº 13.874/2019 quanto com relação a produção de efeitos desses novos contornos da desconsideração da personalidade jurídica uma vez que referido dispositivo contemplava uma determinação específica para a vigência desta e outras alterações promovidas no Código Civil, contudo seu texto foi vetado, de todo que a todas as disposições prevista na lei foram atribuídos efeitos imediatos a partir da data da publicação de sua publicação, na forma do art. 20, II da lei.

Na forma como o inciso I do art. 20 Lei nº 13.874/2019 tinha sido redigido as normas que alteravam as disposições do Código Civil teriam efeitos após 90 dias da data de sua publicação, mas diante da essencialidade e do interesse público conferido a essas determinações considerou-se que a produção de efeitos dos dispositivos não poderia aguardar referido prazo.

É possível considerar como adequada a ponderação feita quanto a vigência da lei, em especial quanto a desconsideração da personalidade jurídica pois essa condição seria mais um elemento de insegurança jurídica quanto à possibilidade de aplicação dessa a determinados casos.

Assim, importa destacar ainda que com relação aos processos em curso antes da vigência da lei há de se considerar que essa se trata de uma conversão de uma Medida Provisória, razão pela qual a desconsideração da personalidade jurídica adotada durante a vigência da Medida Provisória nº 881/2019 também seguiu estas novas bases eis que a alteração efetuada no art. 50 do Código Civil já tinha previsão no texto da Medida Provisória. Contudo, com relação aos processos anteriores a publicação da Medida Provisória que contemplem a desconsideração da personalidade jurídica terão seguimento de modo que caberá aos sócios e administradores demonstrarem a não ocorrência de abuso da personalidade jurídica nos autos de seus processos.

Vale ressaltar que a aplicação do instituto não se aplica as relações trabalhistas, ambientais e de consumo eis que cada qual apresenta determinações próprias.

Portanto, a alteração buscou conferir melhores contornos ao instituto e garantir segurança aos empresários na condução de suas atividades ao sanar algumas divergências ao entorno da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em determinadas situações. Com essa visou-se ainda, com base nos arts. 170 e 174 da Constituição Federal, garantir o livre exercício da atividade econômica e a livre iniciativa da forma como previsto no art. 1 da Lei nº 13.874/2019.

Referência e dica de leitura:

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.


ANA BEATRIZ DA SILVA

ana_beatriz_silva@yahoo.com.br

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