A atividade empresarial, mesmo antes da crise que se instalou em razão da pandemia, já apresentava dificuldades que impossibilitavam o cumprimento de algumas obrigações contraídas por empresas.
Por essa razão, ante a um quadro de extremo desequilíbrio nas contas das empresas somado à configuração do estado de crise econômica-financeira, a alternativa acaba sendo, por vezes, a recuperação judicial. Contudo, é necessário ressaltar que a recuperação judicial é um processo demorado e custoso.
A depender da empresa, se configura como mais viável o uso da recuperação extrajudicial pelo qual os desgastes, tanto para a empresa quanto para os credores são menores, porém, apesar da utilização da via progredir desde a edição da Lei nº 11.101/2005, o procedimento ainda não tem tanto volume quando comparado a recuperação judicial.
CAMPO PARA SER EXPLORADO
Entretanto, a recuperação extrajudicial apresenta vantagens, dentre elas tempo e custos reduzidos, que podem ser muito importantes para que o processo seja devidamente proveitoso e a empresa obtenha um reequilíbrio de suas contas e possa superar o cenário de crise.
A recuperação extrajudicial tem previsão do artigo 161 ao artigo 167 da Lei nº 11.101/2005 e trata-se de uma negociação feita pelo empresário que esteja em situação de crise econômica financeira com seus credores. Portanto, nesse procedimento não há nomeação de administrador judicial.
De acordo com Salomão e Santos (2019, p. 496)
"na recuperação extrajudicial, o devedor, para resolver problemas de liquidez, propõe a seus credores, na maioria dos casos, remissão ou dilação. Esse procedimento – extremamente simples – tem por finalidade dar transparência e segurança às negociações, desde que seja garantido aos credores, tenham ou não aderido ao contrato, as mesmas condições de prorrogação de prazo de vencimento ou redução percentual do passivo."
QUEM PODE REQUERER?
Podem requerer a recuperação extrajudicial o devedor que (Art. 161 da Lei nº 11.101/2005):
· Exerça atividade empresarial há mais de 2 anos
· Não estar falido ou uma vez sendo falido suas responsabilidades devem estar declaradas extintas por sentença transitada em julgado
· Não ter se submetido a recuperação judicial há menos de 5 anos
· Não ter se submetido a recuperação judicial há menos de 5 anos, com base no plano especial
· Não ter administrador ou sócio controlador condenado por crime falimentar
· Não ter pedido de recuperação judicial pendente
· Não ter obtido recuperação extrajudicial há menos de 2 anos
O QUE NÃO PODE NA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Vale ressalvar que a esse procedimento não se sujeitam:
1. créditos trabalhistas ou resultantes de acidente de trabalho
2. créditos tributários
3. o credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio (art. 49, §3º da Lei nº 11.101/2005)
4. aquele que entregou ao devedor a importância, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente (art. 49, §3º da Lei nº 11.101/2005)
Na forma do artigo 161, § 2º da Lei, o plano de recuperação extrajudicial não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos. A determinação se mostra importante dado que confere isonomia aos credores de forma que não há prejuízo para os credores que não integram o procedimento.
COMO FUNCIONA A NEGOCIAÇÃO?
Os artigos 162 e 163 da Lei nº 11.101/2005 contemplam as formas como o a negociação pode ser acordada.
Art. 162, Lei nº 11.101/2005 O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.
Nesse caso, o acordo contempla todos os credores que podem se submeter ao procedimento, de modo que o plano resultante do acordo apresenta homologação facultativa.
Art. 163, Lei nº 11.101/2005 O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.
Já no caso do dispositivo referenciado, o plano de recuperação extrajudicial não obteve a assinatura de todos os credores e, por essa razão, sua homologação é obrigatória.
Contudo, independentemente da forma como o plano foi aprovado a homologação é um importante elemento para a segurança de todos os envolvidos no procedimento, em especial para o devedor.
PROJETO DE LEI N. 1397/2020
Ante ao cenário atual de calamidade pública, a recuperação extrajudicial se mostra como um dos possíveis instrumentos para contornar a crise econômico-financeira vivenciada pelas empresas, em razão da pandemia causada pelo covid-19, de forma que esse procedimento é um dos temas do Projeto de Lei n° 1.397/2020 em tramite na Câmara dos Deputados.
A votação do projeto estava na pauta do dia 19 de maio de 2020, mas até a publicação deste artigo a proposta ainda não foi votada. Contudo, merece a ressalva que o projeto está na pauta de votação de 21 de maio de 2020.
O projeto trás determinações que terão validade pelo período em que estiver vigente o estado de calamidade pública e, sobre a recuperação extrajudicial, as medidas previstas se configuram no intuito de flexibilizar alguns critérios para o procedimento.
Dentre as principais medidas estão:
· Submissão de todos os créditos existentes na data do pedido, salvo os créditos tributários, do credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, e o crédito decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.
· O quórum de 3/5 dos credores para homologação do plano de recuperação extrajudicial é reduzido para a metade mais um (de todos os créditos de cada espécie abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial).
· Não será exigido que o devedor não tenha obtido a concessão de recuperação judicial há menos de 5 anos; não tenha obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial há menos de 5 anos; e a vedação para homologação do plano extrajudicial para caso o devedor tenha pedido de recuperação judicial pendente ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.
· A possibilidade de apresentação de um novo plano de recuperação extrajudicial, caso outro tenha sido apresentado anteriormente, independentemente de estar ou não homologado.
Desse modo, em que pese o projeto de lei contemple medidas apenas para o período de calamidade pública é necessário considerar que a flexibilização das medidas pode trazer vantagens para a adoção desse procedimento e para que as empresas consigam tentar reequilibrar sua atividade.
No entanto, independente do cenário que estamos enfrentando, a recuperação extrajudicial deve ser considerada como um instrumento relevante para a reorganização da atividade empresarial. O devedor terá um desgaste menor para reequilibrar suas contas em menor tempo, bem como os credores poderão receber seus créditos em um tempo menor.
O procedimento é igualmente importante para a redução do número de recuperações judiciais submetidas ao Poder Judiciário e o tramite será mais célere, eis que caberá ao Poder Judiciário a homologação do plano extrajudicial.
REFERÊNCIAS
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
SALOMÃO, Luis Felipe; SANTOS, Paulo Penalva. Recuperação judicial, extrajudicial e falência: teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
ANA BEATRIZ DA SILVA
ana_beatriz_silva@yahoo.com.br
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