Olá pessoal! Como estão?
Espero que todos bem.
Essa semana nossos estudos serão direcionados para a viabilidade da intimação do sujeito passivo no âmbito do processo administrativo e a verificação ou não do cerceamento de defesa nos casos em que esse meio é adotado, conforme o posicionamento do CARF. Vamos lá?
O processo administrativo fiscal, conforme já abordamos em estudos anteriores é regulado pelo Decreto nº 70.235/1972, bem como deve observar uma série de regras próprias e princípios que uma vez não observados podem resultar na nulidade de todo o processo administrativo.
O Decreto nº 70.235/1972 determina expressamente em seu artigo 23 os meios que podem ser adotados para intimação do sujeito passivo, de modo que a intimação por edital tem previsão no § 1º do artigo 23.
“Art. 23. Far-se-á a intimação:
I - pessoal, pelo autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, na repartição ou fora dela, provada com a assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto, ou, no caso de recusa, com declaração escrita de quem o intimar;
II - por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo;
III - por meio eletrônico, com prova de recebimento, mediante:
a) envio ao domicílio tributário do sujeito passivo; ou
b) registro em meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo.
§ 1º Quando resultar improfícuo um dos meios previstos no caput deste artigo ou quando o sujeito passivo tiver sua inscrição declarada inapta perante o cadastro fiscal, a intimação poderá ser feita por edital publicado:
I - no endereço da administração tributária na internet;
II - em dependência, franqueada ao público, do órgão encarregado da intimação; ou
III - uma única vez, em órgão da imprensa oficial local.
§ 2° Considera-se feita a intimação:
[...]
IV - 15 (quinze) dias após a publicação do edital, se este for o meio utilizado.
§ 3º Os meios de intimação previstos nos incisos do caput deste artigo não estão sujeitos a ordem de preferência. [...]”
Contudo, o dispositivo supracitado além de permitir tal meio impõe uma condição para sua utilização, qual seja a tentativa prévia de intimação pessoal, postal ou por meio eletrônico e que o insucesso dessas seja devidamente comprovado.
Não estando presentes no caso discutido a comprovação da tentativa de intimação por outros meios antes da intimação por edital o ato poderá ser declarado nulo com base no artigo 59, inciso II do Decreto nº 70.235/1972.
“Art. 59. São nulos:
I - os atos e termos lavrados por pessoa incompetente;
II - os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa. [...]”
Assim, o que se verifica é a intimação por edital deve ser considerada como meio EXCEPCIONAL a ser adotado apenas quando não foi possível a intimação por outros meios disponíveis. Com isso, vejamos a regra será a intimação pessoal, postal ou por meio eletrônico, de modo que essas sim não se sujeitam a ordem de preferência, conforme determinação do § 3º do artigo 23.
Com relação ao presente tema se faz necessário considerar ainda a aplicação principalmente dos princípios da ampla defesa e do contraditório para fins de se verificar o reconhecimento ou não da nulidade dos atos processuais realizados em razão da intimação do sujeito passivo por meio de edital.
De acordo com ROCHA (2018, p. 421)
“[...] a falta de intimação da parte quanto a qualquer ato praticado pelo Estadoadministração faz com que o mesmo não produza efeitos para o contribuinte”.
No mesmo sentido, nas considerações de SCARANELLO (2021, p. 630)
“[...] princípio importante é o da cientificação, o qual pressupõe que antes de instaurado qualquer procedimento em face do contribuinte, ele deverá ser intimado previamente. [...]”
Diante disso, podemos identificar que além da necessidade da realização da intimação do sujeito passivo para o tramite regular do processo administrativo é necessário que essa intimação seja feita de modo à realmente promover a ciência do sujeito passivo em qualquer dos meios utilizados.
Conforme ROCHA (2018, p. 421 e 422)
“[...] qualquer irregularidade da intimação que impeça a parte de tomar o devido conhecimento dos atos da Administração caracteriza cerceamento de defesa e assim violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. [...]”.
Feita essa breve exposição teórica sobre o tema, passamos agora a analisar o posicionamento da jurisprudência do CARF quanto às condições que implicam na nulidade da intimação por edital em sede de processo administrativo fiscal.
O CARF, em que pese à temática não seja matéria nova, nos últimos dias se posicionou quanto à possibilidade da intimação do sujeito passivo por edital sem que tal medida implique em cerceamento de defesa. Vejamos a ementa de alguns acórdãos do CARF que embasam nossos estudos:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF) Ano-calendário: 2004 PRELIMINAR. INTIMAÇÃO VIA EDITAL. Não há que se falar em nulidade da intimação por edital quando este meio for utilizado após restar infrutífera a tentativa de intimação por via postal. [...]”(CARF. Recurso Voluntário nº 2001-004.158. Processo nº 13820.000303/2009- 67, Brasília, DF, Data da Sessão 24/03/2021) (grifamos)
ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO Ano-calendário: 2004 EDITAL. MEIO RESIDUAL DE CIÊNCIA DE ATOS PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE PROVA DE TENTATIVAS PRÉVIAS DE INTIMAÇÃO VIA POSTAL OU ELETRÔNICA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA CONFIGURADO. NULIDADE DA INTIMAÇÃO POR EDITAL. Nos termos da legislação que regula o processo administrativo fiscal, cabe a intimação por edital sempre que resultarem improfícuas tentativas anteriores de intimação pessoal por via postal ou eletrônica. A ausência de prova atestando a tentativa de ciência pessoal implica a nulidade da intimação por edital, por caracterizar cerceamento do direito de defesa do sujeito passivo. IRPJ COMPENSAÇÃO. DCOMP. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA VÁLIDA DO DESPACHO QUE NÃO HOMOLOGOU A COMPENSAÇÃO. PRAZO DA Lei 9.430/96, art. 74, § 5º NÃO INTERROMPIDO. OCORRÊNCIA DE HOMOLOGAÇÃO TÁCITA . Será considerada tacitamente homologada a compensação objeto de declaração de compensação (Dcomp), que não seja objeto de despacho decisório válido, proferido e cientificado ao sujeito passivo no prazo de cinco anos, contados da data de seu protocolo. Constatada a invalidade da ciência por edital, declara-se as compensações homologadas tacitamente nos termos da Lei 9.430/96, art. 74, § 5º. (CARF. Recurso Voluntário nº 1002-002.098. Processo nº 11080.903741/2010-06, Brasília, DF, Data da Sessão 13/05/2021) (grifamos)
ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL Período de apuração: 01/06/2006 a 30/09/2006 NULIDADE. INTIMAÇÃO EDITAL. AR EXTRAVIADO. A legislação autoriza a intimação do contribuinte mediante Edital se ineficaz um dos meios antecedentes ou se ausente cadastro fiscal do contribuinte. Portanto a intimação via AR é direcionada a casos excepcionais se infrutífera a intimação pessoal ou por meio de aviso de recebimento (AR). INTEMPESTIVIDADE. MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMIDADE. AFASTADA. Declarada a nulidade da intimação, afasta-se a intempestividade da manifestação de inconformidade apresentada pelo contribuinte a teor do art. 59 do Decreto nº 70.235/72. (CARF. Recurso Voluntário nº 3002-001.904. Processo nº 10120.912519/2012-71) (grifamos)
Desse modo, conforme é possível notar das decisões supracitadas o CARF tem compreendido em favor da declaração de nulidade da intimação por edital, especialmente quando não há provas de tentativas por outros meios, bem com quanto a esses tem sido privilegiada as tentativas de intimação pessoal ou pelo cadastro fiscal do contribuinte.
Importa destacar ainda que a discussão sobre o tema não se limita tão somente ao âmbito das autoridades julgadoras administrativas de modo que a nulidade da intimação por edital no processo administrativo fiscal já foi tema de análise também do Superior Tribunal de Justiça. Observamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SUPOSTA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. PENA DE PERDIMENTO DE BEM. INTIMAÇÃO PESSOAL (REGRA GERAL). SOMENTE QUANDO NÃO POSSÍVEL A SUA EFETIVAÇÃO É QUE SERÁ ADMITIDA A INTIMAÇÃO POR EDITAL. 1. Cinge-se a controvérsia dos autos acerca da forma de intimação para aplicação da pena de perdimento de veículo. Se é possível a utilização de forma imediata da intimação por edital. Ou conforme entendeu o Tribunal de origem a intimação por edital só deve ser realizada após restar frustrada a intimação pessoal. 2. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa aos art. 535 do CPC se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos quais o acórdão se fez omisso, contraditório ou obscuro. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284/STF. 3. Ao disciplinar a forma de intimação para aplicação da pena de perdimento do veículo apreendido o artigo 27, § 1º do Decreto Lei 1.455/1976 dispõe que a mesma poderá ser feita pessoalmente ou por edital. A interpretação que se extrai do comando legal é que pela natureza desse meio, e pela forma como nosso ordenamento jurídico trata a utilização do edital, somente será aplicada quando não se obtiver êxito na intimação pessoal, dado o caráter excepcional da intimação por edital. 4. Vale destacar que o artigo 27, § 1º do Decreto Lei 1.455/1976 deve ser interpretado em consonância com o artigo 23 do Decreto-Lei 70.235/1972 (que regulamenta o processo administrativo fiscal), segundo o qual somente quando restar infrutífera a intimação pessoal, postal ou por meio eletrônico é que será efetivada a intimação por edital. 5. No caso dos autos, a Fazenda Pública utilizou-se de forma imediata da intimação por edital, razão pela qual o entendimento fixado pelo Tribunal de origem, ao anular o processo administrativo fiscal por vício na intimação, e determinar a intimação pessoal do contribuinte deve ser mantido. 6. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte não provido. (REsp 1561153/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2015, DJe 24/11/2015) (grifamos)
Portanto, quando da análise de possíveis elementos de defesa do sujeito passivo seja no âmbito administrativo ou até mesmo no âmbito judicial é de suma importância a verificação da forma como o sujeito passivo tomou ciência dos atos processuais praticados, pois a constatação de uma irregularidade nestes atos pode invalidar todo o processo, ainda que já tenham se esgotadas as medidas administrativas. Tal fato deve ser atribuído principalmente por se configurar como um direito do sujeito passivo ter ciência dos processos administrativos instaurados em face dele, conforme prevê o artigo 3º, inciso II da Lei nº 9.784/1999.
REFERÊNCIAS
BRASIL. CARF. Recurso Voluntário nº 2001-004.158. Processo nº 13820.000303/2009-67, Brasília, DF, Data da Sessão 24/03/2021. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2021.
______. CARF. Recurso Voluntário nº 1002-002.098. Processo nº 11080.903741/2010-06, Brasília, DF, Data da Sessão 13/05/2021. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2021.
______. CARF. Recurso Voluntário nº 3002-001.904. Processo nº 10120.912519/2012-71, Brasília, DF, Data da Sessão 13/05/2021. Disponível em: . Acesso em: jun. 2021.
______. Decreto nº 70.235 de 06 de março de 1972. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 07 mar. 1972. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2021.
______. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Brasília, DF, 01 fev. 1999. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9784.htm>. Acesso em: 13 jun. 2021.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 156.1153/ RS. Relator: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES. Brasília, DF, 17 nov. 2015. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 24 nov. 2015. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201502577130&dt_p ublicacao=24/11/2015>. Acesso em: 13 jun. 2021.
ROCHA, Sergio André. Processo Administrativo Fiscal: controle administrativo do lançamento tributário. São Paulo: Almedina, 2018.
SCARANELLO, Tatiana. Diálogos sobre o Direito Tributário e Financeiro. 2 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
ESCRITO POR ANA BEATRIZ DA SILVA
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